terça-feira, 4 de maio de 2010

Impressionar a moça dos olhos amêndoa âmbar, ...

O braseiro reservado e vivo, aquecia o canto da casa, acompanhado da panela de ferro fundido que cozia o feijão manteiga e a carne gorda, e da gata preta, nesta hora borralheira. “Não mexas no lume, nem no brasido, para ver se consigo acabar a sopa a tempo do teu pai chegar…” recomenda a mãe, que começava a peneirar a farinha para tender a broa, “… mas mãe; preciso de brasas, para aquecer o ferro de engomar, para passar a camisa branca, que vou levar á missa no Domingo!”, … não voltou resposta do meio da atenção que mantinha sobre a fervura da massa, … “O forno já deve ter o lar branco; tira de lá duas ou três brasas! ... mas antes, vai a casa da prima Quitas, pedir-lhe crescente, que o nosso acabou.” disse ainda dedicada.
Saí á rua, … e palmilhei em direcção á casa rasteira de colmo, de cal branca e rematada de azul, … bati energeticamente á porta de madeira; “ Quem é?” ouvi, … “Sou eu prima Quitas, o seminarista!” o soalho rangeu e o fecho rodou, … o conjunto de tábuas pregadas e tisnadas, abriu lentamente, mostrando-me o seu recheio, … “O que queres?” perguntou-me a prima Quitas, que segurava a faca da cozinha, não fosse alguém aparecer que não fosse convidado, … “Minha mãe, mandou-me vir pedir emprestado, crescente, se tiver!” … virou-me as costas e seguiu em direcção á cantareira, … “Tenho aqui este! Um pouco seco, mas ainda cresce!” carregando com o polegar sobre a pequena massa crestada, que dormia numa pequena tigela, …”A minha mãe, depois devolve-lho! Obrigado!” agradeci, começando a retirar-me do arrebate, … “…mas o que fazes por aqui?” questionou-me, já eu me encontrava na beira do caminho, … “Vim ver uma moça da aldeia vizinha, que estuda na cidade, que vai assistir á missa de Domingo!” … silenciei o comentário, ao seu olhar, … “Boa sorte!” e fechou a porta.
Dei o crescente á mãe… misturou-lhe um pouco de água morna, e dedilhou-o lentamente, … fez uma cova na massa já peneirada e temperada com sal grosso, e derramou o crescente já liquefeito, … pousou a tigela sobre a mesa, … parou, … manteve a postura de quem recebe um sinal, … sibilou algumas palavras, … benzeu-se, … e atirou-se á massa, tendendo-a energeticamente, …
Agarrei o rodo, e roubei três ou quatro brasas, á boca do forno; … enfiei-as no ferro de engomar, e conservei-o sobre o descanso, … estendi a camisa sobre uma toalha que aguardava estirada sobre a mesa, … “Porquê tanto alarido?” irrompeu enquanto engomava os punhos, … “A moça da aldeia vizinha, que estuda na cidade, vem á missa Domingo, e queria levar a minha camisa branca, para a impressionar!” virei-me para o colarinho, … “E tu reparaste nela?”…
“Claro mãe! Ela tem uns olhos amêndoa âmbar, que raiam de verde quando aparece o Sol!” declarei cabisbaixo, importunado com o arrebitar do colarinho, … “Então vou falar com o Sr. Prior, para subires ao ambão, para ela ver a tua bela camisa domingueira”…
Aconchegou o alguidar de vidro com três mantas de retalhos, depois de ter marcado a amassadura com uma cruz; reservou o alguidar junto á lareira, … “precisa crescer!”
Pendurei a camisa no guarda fatos, ... confiante que ela irá reparar em mim, … tenho que começar a ler o jornal na taberna do Norte, para ir treinando a leitura em voz alta …
A sopa já repousava á beira da lareira, aguardando pelo patriarca, que chegaria da cerâmica… mesa posta, … a broa quente e a fome que aperta…
“Depois da ceia, vai levar o crescente á prima Quitas!” disse a mãe, … estou feito, … mais um questionário que vou ter de ouvir.

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