domingo, 28 de fevereiro de 2010

Suicidio colectivo

Hoje, foi um dia mórbido, ...assisti a vários suicídios de árvores; não aguentaram a pressão climática, e suicidaram-se; deixaram um rasto de danos colaterais; … todas tinham um bilhete a pedir: “como ultima vontade, desejo ser incinerada”; … pequenos elfos vermelhos preparavam a ordem fúnebre, realizando in locco a autopsia; ... á marcha fúnebre, que já se estendia por uma centena de metros, compareceu uma multidão, com direito a comitiva das autoridades e tudo... que tragédia, ... um suicidio colectivo

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Falar directamente com Deus

... retirei do meu "arrumo", os calções, a bóia, … e a pesada lista telefónica, para procurar o numero de telefone do Sr. S. Pedro, ... talvez consiga mitigar a sua atenção, esbatendo um ar mais lastimoso, tipo lama espalhada pelas fuças… o melhor será falar directamente com Deus, porque hoje em dia falar com os Santos, não nos leva a lado nenhum.

Lavadouro do Verginho

“Estão a acabar-se-me as camisas; e as que estão a enxugar no arame, tardam em secar…” … mais vale pegar no pau de sabão azul da temperança, calçar as galochas da coragem, e seguir o sentido do lavadouro do Verginho.
A água continua a jorrar, pelos sulcos do caminho, indiferente e já rejeitada pela terra, … até a mim já me repugna, … “mas ela ainda cabe, deixa cair!” diz o pai.
Leva-se um cântaro de barro para não perder a viagem, para encher para a semana, e acamar na cantareira logo por baixo do canto da broa e da chouriça…
A água enche engrossando a cana da fonte, encanada no veio da nascente, … os bajanques derramam numa incontinência surdina, … é água no fontanário, e chuva no telhado, …
“… bom dia!” ao lado a Ti Benta bate a roupa, … entre o afoito da força e o espremer da roupa, “não sei para quem, com este tempo!”... resmunga.
Coloco o cântaro, á boca da cana, … ponho a camisa alva, mas com uma nódoa de azeite, sobre o lavadouro, … vou-me ao esfreganço com paciência…
“… o meu tino, foi p´ra França!” num saudoso rumor me informa… o sabão continua a esfregar a camisa e a nódoa que persiste imaculada, ...”raios!” quebro o silêncio do gotejar das calhas, … “ … e o que foi lá fazer?”
“ O lito do Canto, deu-lhe um trabalho por lá! … Sabes que sirvo na casa dos Justos, e o soldo e a sopa, não chegam para tudo! … e ele já tinha idade!”
A camisa continuava manchada! … “… é azeite do ´Dlino da Venda,… para não sair assim, de qualquer jeito!” declarou…
“Já tinha saudades duma fatia de pão torrado, com um dente de alho e um pingo de azeite! … Quando fui á almotolia, deixei cair uma gota maior, na camisa que tenho que levar á missa de Domingo, lá no seminário, … e já vou ouvir se ela não sair” expliquei inquietado…
“Dá tempo ao sabão, e á nódoa! Tem que curtir um pouco na água do bajanque …” mergulho a camisa enraivecido… vou dar atenção ao cântaro, que saturado de água gorgoleja...
“… o tempo não levanta, e eu preciso de ir apanhar meã e cozinha para o gado!” lamenta erguendo o alguidar, até o equilibrar numa rodilha sobre a cabeça … “…as nódoas também saem, … tem paciência! … esfrega com a calma do tempo!”
Contorço a camisa, … ergo o cântaro ao ombro, … acoito-me e preparo a ida para casa, … faz-se tarde, chove, e a janta hoje promete: migas de feijão manteiga, com brócolos e grelos de corte, … esbato um sorriso, a camisa está lavada.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Petição climática

Que belo repasto matinal, acompanhado de um entroar da mãe natureza, uma salga de foskamónio, e lavagem com uma chuva de cântaros!
Aos filhotes, tento incutir uma definição científica, para o fenómeno que admiro mas respeito, … e não um factor religioso “é Deus a ralhar com os homens, triste com os seus procedimentos”; mas não sei se nesta altura uma definição poética não viria mesmo a calhar, tipo “duas nuvens que bateram, sem crer, na avenida do Céu”, como quando poeticamente transmitia a uma pequena prima, que o algodão era colhido das nuvens, com um avião biplano…
Os filhotes acobardaram-se á brutalidade da natureza, … e eu temi por eles. Ambos procuraram refúgio madrugador na nossa cama “large size”, … visto haver espaço, que prontamente decidiram resgatar, bem e subtilmente sem oposição, com uns “chega para lá de pontapés e cotoveladas, que nós já chegamos”…
O resto do descansado sono, tinha ido com a chuva, … nada a fazer; o pequeno conquista terreno á minha fronha, com turras, e pontapés, … a filhota, com o desarrolhar do edredon; a precipitação, fustiga os estores, … já era.
Convenientemente, vou criar uma petição para trovoadas, chuvas, ventos, … mau tempo em geral, para decorrerem somente durante o horário de trabalho, e não durante o do descanso do guerreiro.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Embalo do relógio

00:32 … com um olho no sono, e um ouvido nos filhotes, … comecei a deixar o ar de sentinela, e saltei para uma opção Zen, … mais descontraída, … relaxada, …
(…) algo me importunava, … o olho, não havia maneira de se pregar ao travesseiro, … e o ouvido mantinha frequência aberta com o mais pequeno; o remexer no colchão, a chucha que mamava, a agitação de um sonho menos alegre, o transformar do sonho num choro, …
…arrebatei as mantas, e saltei pronto, … embora semi-nu, engalfinhei-me, sentindo os músculos contraírem-se um a um, … voei para o quarto de pequeno.
“Então?” sussurrei … “… a ´peta, … (buááá)” de olhos cerrados sentado, chorando me gritou…
Palmilhei cada cm² do colchão, e a sossega do sono, não aparecia, … já intrigado, e engadanhado com o frio, remexi por baixo da almofada, com o desespero do sono que se intrometia … lá estava ela quieta, aguardando a visita de alguma fada, talvez.
Devolvi-a ao legítimo dono, e o desespero deu lugar á bonança, … aconchegou o corpo, ajustei-lhe as mantas, … deixei-o no seu fantástico sonho, …
01:07 … corpo novamente de regresso á caminha, … a temperatura ambiental, sacudira-me totalmente, contraindo-me, … o corpo, voltava á sua forma relaxada; agarrei-me á esposa, de forma a usurpar algum calor, que teimava em não aparecer, … e tudo devido ao ponto fraco que me importunava, e não reparara antes, … o dedo polegar do pé estava, quase no estado de criopreservação, …esse malandro roubou-me o sono, … hoje faz-me falta, …
02:36 … estou tentado a ligar, para alguma empresa cerâmica das redondezas, para ir aquecer este dedo, junto á tremunha do alimentador de serradura do forno, … tenho que me distrair: contar ovelhas que saltam o cercado de pedra, mas só penso na ovelha Choné, e uma só não dá resultado, só dá galhofa; criar palavras com a inversão dos números do relógio “LESO = 02:37, … OSSO = 05:50, … SOLO = 07:05” …
07:05 … berra o despertador, … de pé; … agora já está quente, mas tens que ir trabalhar, … a reter para o próximo sono: casa quente, pijama completo, botija de água quente, chupeta suplente á mão, e deixar de brincar com o despertador a criar palavras, …

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ementa neste dia enamorado

No “Chez moi”, para este dia, reservada uma janta especial, com a qual nos degustámos: Amêijoa á Bolhão pato; vinho rosé deste Mundus; e “petit gateaux” quente com uma bola de gelado de natas.
Valeu ao “grand-maître” a ajuda singular da filhota e do pequeno, … grande momento para este dia enamorado …

Farmacia sentimental

A dor no peito e a preocupação, era de um crescendo, e visto as mezinhas da mãe não surtirem efeito, resolvi ir á farmácia do lugarejo. A porta guinchou, e a campainha, saudou a entrada; apareceu o farmacete, o Sr. Zé de bigode farfalhudo, mas atencioso “Bons Dias! O que deseja freguês?”. Olhei para as prateleiras brancas, e comecei a relatar a minha maleita “Ando a ter umas dores no peito…” … “Quem é a moçoila?” interrompeu; “... isto foi desde que bebi uma malga de amor quente, …” indaguei, … “Mas quem é a moça?” irrompeu de um modo arisco. “…é uma moça da aldeia vizinha, mas estuda na cidade!” declarei.
“Estou a ver, …” virou-me as costas, e remexendo no seu bigode, começou a espreitar para os frascos e caixas. Pegou em três caixinhas. “Esta caixa de beijos: um beijo de manhã e outro á noite, sem interrupção; esta pomada de felicidade, durante o dia; e estas ampolas de paixão, para qualquer hora!” embrulhando em papel manteiga, e escrevendo por fora o receituário. “Quanto é a paga?” pedi … fixou-me, mexeu o bigode, franziu o olho e perguntou para o gabinete: “ A conta deste moço, patrão?” apareceu o patrão “É o mesmo de sempre: uma vida bem vivida!”
“Sr. Zé do bigode fartaludo! Avie aquela receita do pastor da serra apaixonado! Ouvi dizer que estava a chegar, … não gosto de fazer esperar ninguém!”

Café sentimental

Sentamo-nos numa mesa, junto á vitrina, com vista para o mar e para a serra, e logo apareceu, o “garçon” refinado, de esplendorosas asas: “Eis o cardápio!”
A uma vista de olhos, algo me cativou; ela olhava, para cada sugestão trincando o lábio: “Esta malga com um amor quente” pedi, e anotou; “Eu quero uma caneca, mas gosto sempre da caneca bem quente; não gosto do amor morno, nem frio” pediu ela por trás da brochura, … sorriu e apontou “… boa escolha”. Saiu prontamente com o nosso pedido.
Ela acarinhava-me a mão, docemente, … eu desviava o olhar para o seu cabelo ondulado. “Um amor quente numa malga, e um amor quente numa caneca bem quente”, … irrompeu “… não bebam tudo duma só vez; beberiquem!” Puxei da carteira, “quanto é?” … silenciou-se … olhou para ela, … “uma vida!” paguei, olhando enciumado para o “garçon”.
Deu umas mexidelas com a colher, o amor ainda estava muito quente; saboreou com os lábios, subtilmente e pausadamente … o olhar caiu-me para o decote, … a língua limpou o resto que resistia na sua colher.
“O meu patrão, manda um bem-haja, e agradece a gorjeta! … manda estas bagas de paixão.” que raio de intrometido .
“De onde vens afinal?” murmurou levando uma baga á boca, e trincando-a; “ sou um rapazito dali da aldeia” respondi timidamente, dando uma golada na caneca. “E tu?” retorqui; … “sou duma aldeia vizinha, mas estudo na cidade! E tu, que fazes?”
Lá vinha aquele metediço, … “que tal? Está no ponto?”,… já começava a achar, que o moço se andava a atentar à moça, mas seguiu para uma mesa que acabava de ser preenchida por freguesia.
“Andei a estudar no seminário, e agora vou começar a trabalhar!” disse pegando na baga e petiscando-a, … o seu castanho mel, brilhando ao sol, invadia-me o diálogo, … ela movimentava os lábios e os dentes, musicalmente, … lambeu uma gota das bagas, que restava no dedo. “… não sou rapaz de estroina; sou mais comedido!” , … riu-se e mexeu os cabelos, … o olhar voltou a cair para o decote, … “gosto de ti!” deu um gole na caneca…
Silenciei, o murmurar do bar, o tilintar das canecas, o ordenar do patrão que se ouvia da copa, … e guardei o momento, … “alias, eu amo-te” e invadiu-me com uns lábios ainda húmidos de amor bem quente, …
O patrão olhava por cima do bar sorrindo, e ordenou ao “garçon”: “Limpa aquela mesa! Prepara os dois lugares, vem aí mais fregueses!”

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Olha olha ...

“O que fizeste hoje, pequeno?” meto-me com ele, … na sua vida …
“Olha olha, … “ balbucia ele, … “casa do ´vô, …, qelho, … ´á meio, … lalanja canininha, …” indiferentemente cansado, dedilhando uns Lego´s teimosos.
“Fizeste isso tudo?” questionando a sua veracidade.
“Xim! …” confirmando com a cabeça e o olhar de ar maroto e risonho, e aditando … “a tio, …a popó, … ´cola mana…”
Estava perplexo, com tantas actividades … os afazeres do rapaz, sem dúvida nenhuma mais de meio-dia de laboeira
(cantarola uma música, distraidamente …)
“… e hoje?”
“pffffff! Olha olha, … a cão, … biqueta, … café popó ´vô, …” relata desinteressadamente, remexendo vezes sem conta nem contar, nos Lego´s.
“Pai! Olha olha!” puxa-me o dedo e a atenção, … algo que á primeira vista não consigo vislumbrar, … uma construção qualquer, … algo abstractamente montado, … esfrega os olhos e as narinas, … o cansaço anda por aí … um leitinho quente, uma botija de água quente, um abraço quente, e o sorriso, … quente.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

frio ... enrigece o corpo

"Tenho frio, pai!" ... esta dualidade frio calor, baralha-me ... ou melhor, a minha inoperância perante esta causa.
"... se estiveres quietinho na cama, mesmo com os pés frios, é quanto basta para aqueceres, ..." comenta o pai ..."até pareces um trabelo; ... agora se não paras quieto, é frio de arrebate!"
"Não há nada melhor que pores uma manta de retalhos, tecida pela avó Maria, ... por cima do corpo, que assim só mexem os olhos, ... o peso aquece-te mais depressa, ..." diz a mãe. "... e uma pele de ovelha curtida aos pés, isso então é que é!" comenta o pai, ..."Nestes tempos, porque já não há retalhos, ajuda a botija de água quente, ... é a força deste tempo" ... tomo este conselho, porque as de retalhos, com cheiro a naftalina, guardadas na mala do enxoval, ... preservo-as com carinho, para abrir e arejarem em pleno Verão, com uma bela duma sesta por cima.
Ainda tinha um professor, dos tempos de seminário, "... antes de deitar, lavar os pés com água fria; é quanto basta, para uma noite bem dormida.O frio enrigece o corpo, e cura as maleitas!" é possível, ...
"Agora há os lençois térmicos e polares, mais leves que os de flanela, ... e aquecem mais rápido!" comenta a mãe.
"Filhota! Os avôs sabem destas coisas; fiquemos pela sopa de feijão no bucho, a lareira quente, e a botija aos pés." unanimidade na decisão: quentinho aos pés, estômago cheio e sonhos radiosos.
Tomo todos os conselhos por cautela; mas adiciono o toque pessoal: dormir aconchegado e abraçado com a esposa, quietinho, depois de um banho quente, no meio dos lençois térmicos, esmagado por edredons, que as de retalhos descansam até ao Verão, que ainda tarda...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

... face, e sorri.

... beijo-lhes as faces, todas as manhãs e noites, ... "beija-me outra vez, com miminho" … e sorri, antes de nos largarmos da cama... "canta-me um embalo, pai" … canto mexendo-lhe no cabelo, e beijo a face, ... sorri adormecendo... o pequeno não é dado a essas coisas do amor, … gosta mais de dar chochos, e xi-coração de obrigação, … bem tento suborná-lo com histórias de embalo para o sono, mas ele é mais do sim ou sopas, não há negociações, … tentativas de beijar a face? Mais de mil … a brincadeira é o seu mundo, até o sono o fazer cair … mas o seu descanso é o meu consolo, … o beijo na face, que lhe dou, apanhando-o desprevenido no sonho … sorri.