segunda-feira, 1 de junho de 2009

A caminho de Emaús...

As 10:39h da manhã, já me pareciam, umas 15:00h; um calor infernal, a pico, que nos pede uma sombra, ou um simples curso de água fresca, para um mergulho.
Aglomeravam-se algumas pessoas junto á tasca, e amotinavam-se as viaturas junto ao muro da capela; era o meu dia de abrir a horas. No entanto, mantinha a seriedade e o respeito de não abrir mais cedo: falecera uma senhora. Falava-se de tudo e nada, á sombra da tasca.
O funeral saindo, conduzia em direcção á sua ultima morada. O largo ia esvaziando as suas gentes; abri a tasca.
Ia ser o ultimo dia de um ano de mordomo, ou festeiro. Era uma esmola para as festas, uma companhia para o pessoal da malha.
"Um Favaios, fresco!", "Um café cheio, pingado!", "Uma água das pedras, que a noite foi dura!" ou "um traçado, fresco!"; iam chovendo os pedidos, á medida do aviar. Ouvia-se o picar da malha, o bater e chiar do ferro, com a alegria do acertar na testa, no prego, ou fazer a cama.
"Não tens mais fresco?" exigia um freguês descontente, matando dois golos de sede. "É do tempo, e das máquinas encaixotadas a este espaço", desculpei-me ironicamente, sabendo dos antecedentes de não ter colocado as máquinas á carga máxima. Pagou!
Primeiro cinco, depois mais três ou quatro, aficionados da Vespa, cheios de calor e sede: "Finalmente! Nem sabe há quanto tempo, eu estava á espera de matar este bicho; sai uma mine bem fresca!", e como bando de ordeiros e em uníssono, viraram as mines, num piscar de olhos. "De onde vêm?" indaguei. "Agora de Fátima! Mas somos de Coimbra... (um espremer da garrafa), alias, de S. Silvestre!"; " Tínhamos que abastecer..." dizia outro rindo. "Mais uma rodada, para a viagem": suplicava outro, puxando a carteira. Beberam, pagou,e seguiram destino.
O peso da malha já não tenia umas nas outras; a sombra era ocupada por mesas, e jogava-se as cartas; embrulhava-se rifas no meio de cusquisses; trocava-se dois dedos de sabedoria com alguns velhos da terra, no meio de um traçado; a tarde fugia...
Os amigos aparecem, com a promessa do jantar. Algo rápido, simples e bom: tomatada de berbigão em abundante cebolada; e camarão picante em cama de azeite e alho. Convite aceite.
Era hora de fechar a tasca. Mas o dia continuava, entardecia para a noite... estava incrivelmente agradável.
Nisto,... um vulto. Cansado, débil e fraco; barba de longos dias, grisalha e branca. Para, e questiona numa mistura de palavras latinizadas: "Queria pedir um favor. Guarida para este humilde servo!" Olhamos, uns para os outros um pouco cépticos. "Posso acampar no pinhal? É que venho de Fátima, e já não tenho forças para mais. Tenho uma tenda. Só quero mesmo repousar."
O sotaque denunciava, alguém de origem espanhola, ou italiana. "O senhor vem de onde?" perguntou a amiga num gesto de curiosidade. "Di Roma!" respondeu-nos. Olhamos uns para os outros, segredando: o homem já não pode mais; deixemo-lo descansar.
"Sou um monge franciscano, em Roma, que todos os anos venho a Fátima de bicicleta; demoro dois meses de viagem para cada sentido; e ajudo 150 banbinos sem condições, esfomeados, e órfãos; venho agradecer..."
"O Senhor tem fome?" perguntamos. " Vou comendo aqui, e ali, ... quero simplesmente descansar." Abriu uma pequena bolsa, e tirou duas medalhinhas, que entregou á filhota, e ao filho de um amigo. Agradecemos...
Fechei o resto que havia para fechar da tasca. Deixamos que o entardecer, o deitasse ao descanso. Saímos...
Voltamos mais tarde, acompanhados de uma sandes fresca, fruta, e iogurte. O passageiro continuava o seu descanso. Deixamos a nossa oferta, e saímos com o silêncio da noite.
Lembrei-me de alguém que passeava pelas estradas de Emaús... que belo dia...

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