"Pai! Caiu mais um!" O indicador apontava para uma falha ...
"Desta vez foi um canino!" reconheci, olhando como dentista de bancada, entendido na matéria, opinião de revista de consultório ou conversa de café ...
"Não pai! Um dente: não um
cã-nino!" atestou, continuando de boca escancarada, a demonstrar energicamente a lacuna, com o seu pequeno dedo...
"Tens razão, grandão! Um dente!" corroborei com a sua inocência ...
"... tenho-o aqui embrulhado, para dar á fada dos dentes!" abrindo uma pequena gaze, que acolhia um canino solitário, que resplandecia num tom marfim envelhecido e purpura deslavado.
...
A hora do deitar chegou, ... astuto nas suas lembranças e promessas, levou entre mãos o tesouro até á sua cama: levantou com a força de um rapaz decidido, a almofada, e depositou com a leveza de uma nuvem ... o canino.
Seccionou a almofada, pela cabeceira da cama, milimetricamente dividido pela largura e comprimento, e acamou. A mão fugiu para debaixo da almofada, para confirmar a sua presença e proteger o pequeno dente.
Abro o livro que é o
"top de leitura" desta semana
, ... "O pequeno submarino", ... uma história que se dispersa por oceanos, em aventuras, corais, perseguições, e ... "Vitória, vitória, acabou esta história."
Aconchego as mantas ao corpo, e roubo um beijo de
Boa Noite, e o desejo de bons sonhos. O brilho do olhar, sucumbe ao descanso, do cansaço.
...
No entardecer dos sonhos da noite, eis que a altura clama pelo serviço expedito da fada dos dentes, que entra na sua tarefa: usurpar, ou melhor fazer uma justa troca de valores, por mais um valioso dente...
Sinto a sua presença, nas pressas já normais, de quem tem muito que fazer.
"Deixemo-nos de paleio, Sr. pai! As apresentações já á muito foram efectuadas,... por isso assine a linha abaixo, em como cede mais um dente, já de si, nosso por direito! Tenho mais que fazer, nem imagina o que para aí vem." empolgando um manifesto e uma caneta de tinta permanente resmungona...
"Para a semana vai ao dentista!" respondi enquanto assinava, ... olhou-me num ar incrédulo.
"Espero que não seja danificado nenhum dos de leite que ainda reluzem!" fitando com um olho persuasivo... "Lembre-se que sei onde mora, e virei pessoalmente ver se está a cumprir o contrato!!"
..."E sabe que serei muito indelicada, não sabe?" engoli em seco....
"Certo!" inalei um pouco daquele ar seco persuasivo, enquanto o suor do interrogatório começava a jorrar...
...
"Sr. Pai! Não há outo remédio!" ... dizia com aquele rigor médico, "Vamos ter que extrair... fissurou em três partes, ... e o que mais me intriga e que é curioso, por ser dente de leite!" elucidava-me escancarada nos utensílios que manuseava sobre o maxilar superior.
Ouvir dente de leite e fissurado, repercutiu por todo o meu coirão, como um terremoto ... estou feito!
"Mas doutora, não há qualquer hipótese de recuperação, no seu todo?" já com suores frios que saiam por todas as glândulas sudoríparas ...
Olhou-me fita e seriamente... "Está a brincar! Faz coleção ou quê?"
Engoli o que já não tinha para engolir... "É mais ou menos isso!" numa resposta de sorriso amarelo sem sentido...
"Olhe!" em tom sério e profissional, mas com vontade de me espetar a primeira agulha que tivesse no tabuleiro... "Vou extrair duas partes!" em tom gradiente, e com um ... "Mas, a terceira parte como tem uma raiz em arpão, vai aguardar pela sua queda natural, ou a sua extração mais tardia!" exposto o problema, fiquei em suspensão...
"Conclusão! Para completar a caderneta, vai ter que aguardar!"
...
Guardei minuciosamente as duas partes que choram pelo terceiro bocado...
A fada ainda não passou!
Continuo a dormir com um olho bem aberto...